domingo, 5 de setembro de 2010

O inesperado do ciclo repetitivo.


"Escovou os dentes e fez aquele coque improvisado no cabelo. Os restos de rímel nos cílios e a cabeça que latejava a cada passo que dava refletiam algo da noite anterior. O salto jogado no chão do quarto e o vestido pendurado na cadeira lhe traziam flashbacks alternados da silueta do moço. Silueta acentuada pelas luzes piscando cadenciadamente com a batida da música.  A pista de dança nunca esteve tão quente quanto naquela noite. As lembranças começaram a ficar mais claras conforme a água do café ia fervendo. Já era quase hora do almoço, mas e daí, ela só queria café. Não havia ninguém em casa naquele meio dia de domingo, e ela não precisaria explicar para ninguém o porquê do chegar ao amanhecer.   
O rosto que tomou conta da sua madrugada começava a ficar mais nítido. E as palavras que saiam daquela boca faziam cada vez mais sentido. As frases brotavam doces. Falava exatamente o que queria ouvir na noite de TPM que ela, por muita insistência das amigas, não passou em casa assistindo às piadas  do Zorra Total. Parecia que o rapaz havia analisado cada tópico do seu manual, possivelmente escrito em grego, o qual ninguém conseguira decifrar tão bem como ele. Lembrou então que, inconscientemente, ele sempre terminava por citar uma das suas atividades de rotina, desde a faculdade, do inglês,  até o horário em que chegava da academia nas terças-feiras. Eles dançaram sem insinuações, ou qualquer  “má intenção”, como ele deixara claro ao perceber o receio dela, resultado de experiências de baladas anteriores.
Ela nem queria sair de casa, nem tinha vontade de escovar os cabelos para ouvir estupidezes repetitivas as quais sabia de cor. Eram coleções de “posso te conhecer” e “Só vou embora se você me der um beijo” ao maior estilo dezessete anos que ela já não estava mais disposta a lidar, não naquela noite do seu ciclo. Assistiria a primeira comédia romântica que encontrasse nos sites de download, choraria a cada palavra bonita do mocinho, mas não teria que lidar com nenhuma cantada pouco criativa.  
Mas ela foi.  E naquela manhã desejava ter bebido apenas um drinque a menos para que não tivesse perdido nenhum detalhe, nem mesmo aqueles em que a realidade se misturava com o giro da pista de dança e das gargalhadas espontâneas que ele fazia brotar facilmente em seu rosto. Tomou um banho frio e deixou que as lembranças fossem se encaixando ao longo do dia, torcendo para que elas a levassem a um telefone, email ou página do facebook. Caso nada desse certo, a certeza da cidade pequena a fazia acreditar na possibilidade de encontrá-lo no próximo sábado, na mesma pista, talvez ao som da mesma música. Guardou as maquiagens espalhadas, tomou o remédio para as cólicas que viriam e sentou para procurar inutilmente uma boa programação na TV de domingo."

Um comentário:

  1. Adorei o texto! Tem acontecimentos que marcam, e se tornam mais intrigantes e atraentes por nao lembrarmos ao exatos tudo! Beijos ..
    Seguindo aqui .
    http://lbtextosmania.blogspot.com

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