domingo, 17 de julho de 2011

Socorro



-O que você está sentindo?
-Nada
-Nada?
-É, nada.
-O que fez você vir até aqui, então?
-Nada.
-Amigo, eu preciso saber qual o seu problema. Geralmente, as pessoas vem aqui por que estão sentindo alguma coisa. Por que você veio aqui se não está sentindo nada.
-Por isso, doutor. Eu não sinto nada. O senhor tem algum remédio pra isso?

segunda-feira, 11 de julho de 2011

"21"

Hoje eu tenho vinte e um e quando eu menos esperar, serão quarenta. É que por mais que a gente pare de contar o tempo, ele continua passando. Esse tempo ingrato que se diverte a nossas custas. E fazer aniversário é um grande motivo para fazê-lo satisfeito em nos ver confusos viajando nele. A situação faz a gente voltar para o primeiro momento em que começamos a querer marcá-lo. Isso seria o quê? 10, 12 anos atrás? Quando o que mais interessava na véspera de nossos aniversários era fazer a lista dos possíveis presentes. Ou quando estávamos prestes a curtir os primeiros minutos de maioridade.

Não sei se essa é a hora em que a idade deixa de importar, mas sei que nesses vinte um anos, a data marcada tem pesado pouco. Tem valido mais o momento. Os passos que tenho dado a caminho de me tornar uma pessoa melhor do que aquela eu era; o tanto de erros que tenho cometido nesse caminho. Eu conto minhas passagens por dias de brigadeiro e comédia romântica nos sábados; por churrascos e promessas do tipo “nunca mais faço isso novamente”; por finais de semana inteiros terminando o trabalho da pior matéria do semestre. Por isso, eu ainda diria 20 anos, ou teria dito 21 a três meses atrás se me perguntassem. Não faria diferença. O tempo tem passado para mim não em anos, mas em momentos. Fases sem pré-determinação específica de metragem.
Se quiser me dá os parabéns, fique a vontade. O dia certo para a maioria das pessoas seria esse mesmo. Prometo que aceitarei de bom grado.  Se não, tudo bem também. Ainda tenho muitas datas ao longo do ano que podem ou não fazer jus a comemoração. Ele [o tempo] brinca comigo o quanto quiser, mas não significa que eu também não possa brincar com ele.

11 de julho de 2011, meu “21º’’ aniversário.

domingo, 8 de maio de 2011

Um gole.


        Chegou cedo e puxou a cadeira junto com os dois amigos. Bastou um sinal e o “parceiro” trouxe a primeira da rodada. Afrouxou a gravata antes do primeiro gole, que desceu lavando todos os desaforos que engolira aquela semana. Ainda não era sexta-feira, mas a quinta já sugeria pelo menos duas garrafas e alguns desabafos. Era regra de Happy Hour não falar de trabalho, mas ficava meio difícil não soltar um ou outro comentário malicioso, já que sobre o que ele mais queria conversar, tinha vergonha. Não precisou nem falar, bastou pensar e ela atravessou a rua em direção à mesa com outras duas amigas. Observou cada detalhe, o blaser nas mãos, o coque no cabelo escovado e o rosto discretamente maquiado. De manhã ela estara impecável. E mesmo no fim do expediente, já relaxada, continuava linda. Eram de departamentos diferentes. Um dos poucos momentos em que se cruzavam era no começo do dia, ele já sentado na sua mesa, observava as 8h13 da manhã. Pontualmente. 
        Cada dia, uma fala diferente ensaiada. Nunca coragem o suficiente. Sabia da sua rigidez, ouvia sua fala firme e colhia comentários no café sobre sua competência. Queria descobrir mais. Tentava imaginar que músicas ouvia na hora do banho, e se dançava na frente do espelho quando ninguém estivesse olhando. Perguntava-se se choraria ou balançaria no salto quando ele a tomasse nos braços e dissesse tudo que sentia. Mas era tão distante dele, tão maior, tão perfeita. E agora ela estava ali. Eram todos iguais, tentando compensar na cerveja a dureza de uma semana puxada. Ela passou e não olhou. E nem podia. Como reconheceria alguém que se escondia por detrás do computador cada vez que ela se aproximava. Respirou fundo e tentou buscar coragem nos poucos goles de álcool no seu corpo. Levantou, parou, olhou. Seus amigos perguntaram “Algum problema?”. Ele respondeu “Não, só os mesmo de sempre. Do trabalho.” Bebeu outro gole de medo e sentou ao lado da desilusão.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Dois slides.

      Olhei o celular pela décima segunda vez. Dois minutos passaram e nenhuma nova mensagem. É que a luz do projetor me faz lembrar a meia-luz que fica no nosso quarto com a luminária ligada. Aquela fresta que me deixa ver somente tua silhueta desenhada na penumbra. E toda essa discussão sobre arte me dá vontade de ir pra casa te encontrar e virar a noite ouvindo teus discursos. De ouvir tua boca citando Chico, brigando comigo por nunca discordar de nada e nunca entender a minha hipnose causada pela tua voz. É que até teu silencio é contemplativo. Eles aqui falando de cinema e eu querendo você e a TV ligada pra ninguém. Nem o Jô, nem o episódio mais hilário de Friends. Pra quê gastar nossas madrugadas com qualquer outra coisa que não você, se meu dia foi contando cada passo focado na travessia da porta do nosso apartamento? Mais dois slides, a tua mensagem no celular “Chega logo!” e eu já até me sinto aí.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Bola de mentiras montanha abaixo.

    É que mentir é tão mais fácil. A culpa da mentira é menor que aquela da verdade dita sem pudor. Menor do que o peso do sofrimento alheio pelas palavras proferidas por nossas bocas, mesmo que verdadeiras. “Sou eu, não é você” sai mais naturalmente que “eu não te amo mais”. Poupam-se lágrimas, desgastes e discussões prolongadas e doloridas. A mentira é involuntária e conveniente, e passamos a dizê-las como um dependente químico que toma sempre “o último copo”. Só mais essa. E outra. E mais outra. Uma mentira engata na seguinte e a grande bola de neve nos engole. Somos nós nessa grande bola de mentiras rolando montanha abaixo. Cheia de “bom-dias”, “como você está bonita” e “Te ligo amanhã”.
     A mentira passa a ser um requisito social. Mentimos pela necessidade de uma convivência social saudável e relativamente estável. E de tão necessária acabamos acreditando inclusive nas mais desavergonhadas. De tão comum passa a ser verdade. Em um ponto a mentira deixa de ser verdade, ou é a verdade que tem um quê de mentira, ou a mentira que já não é mais mentira. E tudo se confunde. Amor, amizade, carinho, desprezo, indiferença, orgulho, inveja, felicidade, depressão. Vivemos uma verdade sozinha entre quatro paredes e outra, também verdade, ou meio mentira, no mundo fora do nosso. E o que é verdade? Ou mentira?

sábado, 2 de abril de 2011

Perdão

     Que me perdoem os desenhos esquecidos de canto, os versos pela metade. Que me perdoem os amigos pelo ouvir distraído. Os ex-namorados e até mesmo os futuros. As mensagens não respondidas e recados ignorados. Que me perdoem a irmã, a mãe, o pai e a vó. Perdoem as chamadas não retornadas e a toalha jogada na cama. O aniversário que passou e a visita que não fiz.  O conselho que não dei e o presente que esqueci.
     Tudo e todos que me perdoem, mas esse tempo era meu. Precisei me fechar e esquecer o tudo por um enquanto para que não virasse um para sempre. Para que eu fosse o centro, o egoísmo e a individualidade pura por um dia, uma semana ou um mês, se fosse o caso. Olhar para dentro e limpar os vidros pra que a vista da janela ficasse mais clara e fizesse mais sentido. Perceber que, às vezes, olhar pra trás é fundamental na hora de traçar um caminho adiante.
    Perdão.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Fênix

De repente é como se eu visse o fogo tomando conta de tudo a minha volta. Incluindo meus cabelos, minhas roupas e minha alma que queima junto. Mas eu não grito, nem sinto nada. Apenas vejo tudo ser consumido, sentada, diante do espelho, sentindo a renovação.
Dentre as criaturas que mais me fascinam, além de anjos e fadas, está a Fênix. Altiva, suprema e ameaçadora. Exala poder nas penas douradas, como a própria literatura a descreve. Não bastando ter o dom das aves comuns, de ver o mundo de cima e sentir-se maior que os maiores dos animais habitantes da terra, faz ainda do fogo seu aliado. Parte de sua existência e imortalidade.
Noutra vida ou noutra dimensão, eu nasci fênix. Vivi eras e presenciei fatos indescritíveis. Histórias fantásticas e místicas em todos os cantos do mundo, ou em outros lugares para além desse mesmo planeta. Queimei tantas vezes quanto foram precisas. Até o dia em que a racionalidade e o ceticismo dos homens deu o fim à minha imortalidade. Desde então vivo como humana, na minha segunda, terceira, décima vida, talvez. Levo comigo os resquícios de vida mágica. Renovo-me periodicamente conforme os percalços de minha própria existência.
Deixo o fogo queimar as entranhas, as mágoas, o coração partido, a confiança quebrada. Lanço às chamas também as discussões desnecessárias, planos frustrados, fins de relacionamentos, ofensas e feridas. Faço de tudo, combustível. Pra que o fogo se alimente, e, como nas condenações da inquisição, purifiquem a alma. Que tudo vire cinzas e dela renasçam esperanças, amores e determinação. E se preciso que queimem de novo, e que eu viva nesse ciclo infinito em que cabe a minha imortalidade de uma única vida. Por que ninguém morre em vida. Não eu, pelo menos. Vejo meus bons sentimentos inconscientemente renovados. Como a fé que cambaleia entre estudos e graças nem sempre alcançadas. A energia que falta no meio da corrida e volta depois do impulso do companheiro. Ou mesmo a paixão que morre no casamento, mas aparece de repente naquele amigo de tantos anos atrás.  É tudo imortal, invencível. Algumas coisas só precisam de tempo, para que se deixem queimar e então brotem de suas próprias cinzas.
Acreditem ou não, um dia eu já fui Fênix.


domingo, 16 de janeiro de 2011

Essa moça tá diferente

Roberta Sá - Essa moça tá diferente
"Essa moça tá decidida a se supermodernizar. Ela só samba escondida que é pra ninguém reparar. ''
Dançando quietinha no meu canto, sem chamar muita atenção, nem despertar a ira do destino. Deixando a roda-viva agir, sem muita pretensão. Não tem pra quê querer aparecer. Quaisquer que sejam as coisas boas que estejam me procurando, certamente vão me achar. Deixa então eu me supermodernizar, que, do que eu não posso, o destino vai cuidar.












Essa moça tá diferente - Chico Buarque

sábado, 8 de janeiro de 2011

Deita aqui.


É esse seu “Eu não sou tão bonita assim” que me irrita. Essa insegurança tamanha que te faz achar que eu não sou de verdade. Eu sou, poxa! Tá me vendo aqui, de carne, osso e admiração esparramado no seu colo quente? O fato de você andar despenteada nos corredores da faculdade e eu ter te visto, não me faz o príncipe das tuas histórias pré-adolescentes que você insiste em ler antes de pegar no sono. Eu não sou cego, você estava ali para o primeiro são que quisesse enxergar a tua frieza e superioridade fingida, escondendo a menina que pede colo e elogios baratos sem explicação.
Estava lá, na fila da Xerox, planejando mentalmente os livros que tinha que comprar até o final do quinto semestre. Com o cabelo de coque mal-feito achando que ninguém tinha por que te olhar. É esse seu “O que você viu em mim?” que me dá vontade de te segurar firme pelos braços e sacudir. De te fazer acordar dessa vida de se contentar com meios-homens e ilusões inteiras; de solidão escondida atrás da maquiagem forte e das baladas lotadas de sábado; de se fingir completa quando a partezinha que te falta tá aqui na tua frente, tentando fazer com que você acredite.
É essa tua mania de acreditar no bem dos outros e no que pode ser bom pra tua melhor amiga, mas nunca pra ti. Presta atenção! Para de olhar pra si e de tentar procurar o erro no lugar mais improvável. Não é você, nunca foi você. Eu to aqui te olhando dentro dos olhos e da tua fragilidade alternada entre os conselhos maduros que você tece e o jeito que aguenta tua própria vida desabando e se reconstruindo sazonalmente. Para de tentar entender, de querer explicação plausível para tudo de bom que te acontece. Para! Deixa esse teu discurso agoniante de “Não pode ser verdade” e deita aqui. Abre esse sorriso que todos os cegos ao teu redor quiseram ignorar, pra minha sorte. Deita aqui.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Muita calma nessa hora.

Leoni - Muita Calma Nessa Hora

O mundo ao seu redor anda esquisito pra você
Falta grana, falta sonho, tá difícil viver
Faz um tempo que você levanta com dois pés esquerdos
Você vê na tv o que já tinha imaginado,
A luz no fim do túnel é só um trem desgovernado
As vezes você sente raiva, as vezes sente medo
Abaixa os ombros e respira fundo e conta sempre com os amigos
A vida é boa apesar de tudo
Pode acreditar no que eu te digo.

      É, pode acreditar no que eu te digo, por que você vai rir de tudo isso, espera um pouco mais pro fim da história. O problema é que é difícil pensar que amanhã você vai ser um profissional de sucesso se hoje você está correndo atrás do ônibus na chuva com uma sombrinha quebrada. 
      No fim você vai ter sempre um amigo pra dizer que  Tudo passa, Tudo muda, Muita calma nessa hora. Ele vai sentar, vai te escutar e vai dizer:

     -Eu sei que por enquanto está difícil enxergar a porta de saída
Outra cena outro lugar
Tá difícil de lembrar que a vida é cheia de surpresas.


      A gente finge que ficou tudo bem e que o conselho dele ajudou bastante, mas no fim volta pro vazio da cama fria, sem mensagens de madrugada e com os problemas te despertando as 6 da manhã. Mas um dia desses em que você está no piloto automático e na volta pra casa o céu de Brasília sem chuva está todo azul com pequenas nuvens flocadas, distribuídas aleatoriamente, você senta, olha e pensa que basta começar dá uma olhada ao seu redor, no mar, no por do sol Um gesto de bondade. Aquele gesto que a gente entende como ingênuo e romântico demais pra vida que a gente leva e pensa que é uma selva. É aquele beijo que o namorado dá na testa da namorada, ou o rapaz que pediu pra segurar seus cadernos no ônibus lotado, ou quem sabe o bom dia acrescentado do sorriso que a moça do café te deu hoje de manhã. 
     E eles te fazem perguntar Porque é que a gente fica cego pra tanta beleza? Você chega em casa joga os livros em cima da cama e senta da cadeira da escrivaninha, olha o quadro de fotos, o calendário com os compromissos marcados até o fim do mês e aquela carta que a sua amiga te fez naquele dia em que você ligou pra ela chorando sem saber por quê. Lembra de onde você está e faz um retrospectiva do esforço que foi chegar. E percebe, então que ninguém pode viver sozinho. E mais, que você não está sozinho. O mundo é reflexo do modo com tratamos as pessoas e as cultivamos ao nosso redor. A gente entrega amor e o recebe de volta, talvez não no exato momento, nem com a mesma intensidade, mas ele será proporcional a nossa necessidade e a sinceridade com que o colocamos no mundo. É só ter paciência.
    Nessa felicidade espontânea e aparentemente sem explicação você se dá conta que O que você pensou que era o final é só o inicio do caminho. Ri alto sozinho dentro do quarto e lembra de alguém que te disse a um tempo atrás que

Você vai rir de tudo isso, espera um pouco mais pro fim da história
Tudo passa, tudo muda, muita calma nessa hora


..."Muita hora nessa calma, só o tempo cura
A gente está no mesmo barco, na mesma procura
Muita calma que o sol já vai nascer
Trazendo um dia novo pra você"


Leoni, Muita calma nessa hora.